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Ridi, Pagliaccio!

Nós, seres humanos, prosseguimos em nossa incansável (infindável, diria C.S Lewis) busca pela felicidade. Somos animais essencialmente sociais, por este motivo, uma grande parcela de nossos momentos de contentamento (ou de desgosto) estão relacionados aos grupos dos quais fazemos parte (família, amigos, igreja, colegas de trabalho, etc…). Ciente deste fato, Tom Jobim compôs “Wave”, canção que eternizou em seus versos a afirmação categórica: “é impossível ser feliz sozinho”.

Acredito que qualquer homo sapiens com mais de três anos de idade já foi confrontado com alguns dos rigores e delicias da vida em bando. Viver em comunidade é, simultaneamente, prazeroso e estressante, pois, ao passo em que nos aconchegamos manhosamente no seio do rebanho, nos sentimos visceralmente impelidos a superar as expectativas de nossos semelhantes, demonstrar nosso valor e agradar a todos que nos rodeiam. Talvez seja este o motivo de, paradoxalmente,  levarmos o ato de “fazer rir” tão a sério.

Uma coisa é certa, apesar dos nossos talentos e esforços, nem todos rirão de nossas piadas, mais cedo ou mais tarde a rejeição mostrará sua face carrancuda. É neste momento que descobrimos o quão mágico pode ser um estojo de “maquiagem”! Aperfeiçoamos ao longo do tempo a capacidade de esconder os traços “indesejáveis” de nossa personalidade debaixo de grossas camadas de “pó de arroz”. Esta é a gênese  daquele que Brennan Manning chamou de “o impostor que vive em mim”.

Os palhaços são a prova viva de que – apesar da biologia contradizer esta tese – o mimetismo é uma capacidade inerente a espécie humana. Eles são profissionais da graça, seu ofício é fazer rir, portanto, por mais dolorosas que sejam as feridas em seus corações, precisam sublimar tais aflições e entrar no picadeiro com um largo sorriso no rosto.

Este é o drama que a ópera “Il Pagliacci” (o palhaço, em italiano) nos apresenta: Um velho palhaço traído por seu grande amor, que mesmo em meio a dor, é obrigado a se apresentar.

Tu és um homem?
palhaço tu és!
Coloque seu traje,
pó no seu rosto.
As pessoas pagam e querem rir.

ridi, Pagliaccio, e as pessoas irão aplaudir!

Assim como os bufões circenses, nós transformamos nossas vidas numa labuta diária para impressionar os que nos cercam, lutando contra nossos traços de caráter, que apesar de nos distinguirem, não são tão vistosos ou atraentes aos olhos  alheios.

Será que neste mundo onde a performance é  crucial, existe espaço para a autenticidade? Nós realmente precisamos ser aceitos por todos para levarmos uma vida plena e feliz? Brennan Manning, nos dá uma sugestão:

“O que acontece quando pecamos e falhamos, quando nossos sonhos se despedaçam, quando os investimentos se frustram, quando somos tratados com desconfiança? O que acontece quando precisamos confrontar nossa condição humana? Entretanto Deus ama quem de fato somos – quer gostemos disso ou não. Deus não apenas perdoa e esquece nossos atos vergonhosos, mas também transforma a escuridão em luz. Todas as coisas, em conjunto, cooperam para o bem daqueles que amam a Deus – ‘até mesmo’, acrescentou Santo Agostinho, ‘nossos pecados’.” (trecho do livro “O Impostor que vive em mim”).

A imagem que devemos nutrir a respeito de nós mesmo, segundo o autor de “O Evangelho Maltrapilho”, é de pessoas “apaixonadamente amadas por Deus”, e isto deve nos bastar! Ao adquirir tal consciência, não deveríamos mais sentir a necessidade de falsear nosso modo de ser. Um certo sábio irlandês uma vez escreveu que “Quanto mais deixamos que Deus assuma o controle sobre nós, mais autênticos nos tornamos”.

Portanto, caros irmãos, se as lágrimas quiserem brotar em seus olhos, que elas rolem a vontade, pois por vezes, elas funcionam como excelentes removedores de maquiagem.

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